Resumo
Suspeito que muitas das pessoas que leem Themelios são ou aspiram ser professores no mundo da academia teológica cristã. Assim, parece apropriado refletir brevemente, ocasionalmente, sobre o que exatamente essa vocação implica. A primeira coisa a se observar, nesse sentido, é que ser um acadêmico Cristão não é uma vocação mais virtuosa do que qualquer outra. O que torna um chamado Cristão, antes de tudo, não é a posição em que ele está na hierarquia de vocações tal como ela é percebida pela comunidade cristã.
Suspeito que muitos dos leitores da Themelios sejam, ou aspirem ser, professores no mundo da academia teológica Cristã. Por isso, é apropriado refletir, de tempos em tempos, sobre o que exatamente essa vocação implica.
A primeira coisa a se notar nesse contexto é que ser um acadêmico Cristão não é uma vocação mais virtuosa do que outra qualquer. O que torna uma vocação Cristã, em primeiro lugar, não é sua posição na hierarquia de vocações tal como ela é percebida pela comunidade Cristã. Essa era uma noção medieval, em que padres e monges exerciam funções consideradas intrinsecamente sagradas, enquanto o resto do povo se virava com vocações inferiores — você sabe, arar a terra, cultivar alimentos, criar filhos e outras tarefas tão mundanas quanto supérfluas. Lutero atropelou esse tipo de pensamento com carruagem e cavalos com a sua compreensão da justificação, sua reconfiguração do lugar e do poder dos sacramentos e a destruição do muro entre o sagrado e o secular. Nós, evangélicos, somos herdeiros de Lutero nesse aspecto, e isso deve ser central em nossa forma de pensar sobre a vocação acadêmica: não a vemos como uma oportunidade de parecer maiores ou melhores que os outros. Em geral, aqueles que possuem PhDs e cargos de professor têm desfrutado de mais oportunidades do que outros; por isso, devem ver sua vocação como uma forma de servir melhor, não de dominar os demais.
Há contextos tangíveis nos quais isso pode ser expresso. O mais básico é o papel da igreja local. Qual o papel que o PhD ou o professor exerce na igreja local? Será que consideram que seu papel está restrito, por exemplo, a ensinar na escola dominical de adultos ou liderar um estudo bíblico, de tal forma que outras funções — vocações menos “sagradas” — como a equipe de limpeza, o rodízio do chá ou o berçário são consideradas fora dos limites e abaixo de sua dignidade? Pelo contrário, a igreja é a igreja, e é um privilégio para todos o de participar, em qualquer nível, das muitas atividades que ela oferece. Nós, protestantes, de certo modo, regredimos à Idade Média com a nossa visão de que certas tarefas (as que envolvem intelecto e qualificações acadêmicas) são, de alguma forma, mais importantes do que outras. Tente ensinar na escola dominical em uma sala suja e cheia de lixo. Ter um PhD ou estar em um programa de pós-graduação não te isentará de sujar as mãos, literalmente, pelo Senhor.
Além disso, esse envolvimento nas tarefas cotidianas da igreja ajuda a enraizar a teologia na vida real. Por exemplo, ensinar crianças na escola dominical pode ser ao mesmo tempo humilhante e desafiador: humilhante porque, às vezes, crianças pequenas fazem, com toda inocência, algumas das perguntas teológicas mais profundas e penetrantes que até as maiores mentes podem ter dificuldade para responder; e desafiador porque comunicar verdades teológicas a mentes jovens exige muito do nosso conhecimento teológico e das nossas habilidades de comunicação, o que não ser vivido em nenhum outro lugar; de fato, eu vi minha pobre teologia e minha pobre habilidade de comunicação serem expostas mais impiedosamente em uma classe infantil do que em um seminário de doutorado. E, claro, ensinar crianças ajuda a manter-nos humildes: elas não entendem títulos acadêmicos, mas entendem o que é chato, irrelevante e pretensioso — e punem essas coisas sem a menor misericórdia.
A segunda coisa a ser notada é que o título de “erudito” [orig.: scholar] não é algo que você deveria aplicar a si mesmo, e sua profusão atual entre os tagarelas dos blogs é um sinal preciso do tipo de arrogância e soberba contra os quais todos devemos nos guardar. Pode me chamar de antiquado, mas para mim a palavra “erudito” tem um tom honorífico. É algo que outros concedem a você quando — e somente quando — você faz uma contribuição consistente e destacada a um campo acadêmico específico (e não, concluir um doutorado não conta). Para ser direto: a capacidade de criar seu próprio blog e não ter nada melhor a fazer com seu tempo além de tagarelar incessantemente sobre o quão inteligente você é e o quão idiotas são todos os que discordam de você — bem, isso não te qualifica para ser chamado de erudito. Pelo contrário, isso te qualifica como um tolo presunçoso, e o uso autorreferencial do título por tantos dessa laia é, na melhor das hipóteses, absurdo; na pior, ofensivo.
Terceiro, ao se preparar para ser um acadêmico Cristão, é importante reconhecer alguns fatos que fazem parte da experiência universal de todos os cristãos envolvidos em estudos teológicos avançados. Primeiro: inevitavelmente, às vezes você perderá debates com seu orientador em assuntos de grande importância. Isto é praticamente certo. O crucial é entender que o fato de você não conseguir vencer um debate contra seu orientador pode não significar que ele esteja certo e você errado. Pode significar isso; mas também pode indicar simplesmente que ele sabe mais e é mais habilidoso na argumentação do que você. Esse é, claro, um dos motivos pelos quais você está estudando com essa pessoa: para aprender os “comos” e os “porquês” da pesquisa acadêmica. Portanto, não desanime na primeira vez que perder uma discussão, e não abandone sua fé ao primeiro sinal de dificuldade. Isso me leva ao segundo ponto: perseverança. Ninguém jamais afirmou que usar a mente e aplicá-la às coisas mais profundas da fé seria algo fácil. Na verdade, isso acrescenta mais uma dimensão ao conjunto de tentações que levam à idolatria e à infidelidade: a adoração da mente, do orientador, do consenso acadêmico, ou até mesmo de uma ideia ou conjunto de ideias em si mesmas. O estudante de bíblia enfrenta questões críticas, textuais e teológicas diariamente; o historiador, questões de relativismo e epistemologia; o estudante de ética, questões de moralidade e pragmatismo. Bastam à disciplina os pesadelos intelectuais nela contidos! A única maneira de resistir a essas tentações é por meio do trabalho árduo. Não perca tempo lendo o segundo melhor livro sobre determinado assunto; leia o melhor. Não se deixe levar por truques retóricos como “ninguém acredita mais nisso!” Tente entender quais são os argumentos, como foram tratados no passado e como estão sendo tratados no presente. A oração é importante, mas não substitui trabalho duro, leitura profunda e reflexão sobre problemas difíceis.
Por fim, voltando à igreja local, certifique-se de estar envolvido nela e, quando estiver, de sentar-se sob a Palavra, ouvindo-a em submissão, e não sobre a Palavra, em julgamento. Muitos males têm sido causados nas igrejas por aqueles que têm alguma formação teológica formal e acham que nunca receberam o reconhecimento ou os aplausos que merecem. Sentam-se na igreja não para serem edificados pela Palavra, mas para avaliar o sermão do pastor, julgar sua teologia e oferecer críticas “super úteis” sobre como ele poderia melhorar seu desempenho ou como ele deveria (ou seja, como o crítico pregaria) aquele texto. No fim, tais pessoas são apenas divisivas, e o são porque sua preocupação não é de serem confrontadas pela Palavra de Deus ou ver a congregação crescer em conhecimento do Senhor; seu interesse é se exaltarem sobre os outros, usando o conhecimento teológico, real ou presumido, como meio para esse fim. Verdadeiros teólogos sabem não apenas que receberam dons para servir os outros, mas também que continuam sendo pecadores, salvos apenas pela graça e dependentes da Palavra de Deus para seu sustento espiritual diário. Uma ênfase na obediência básica diária, oração, leitura bíblica privada e frequência semanal na igreja, onde a Palavra é lida e pregada e onde há comunhão com outros santos, pode parecer algo terrivelmente monótono — mas sem isso, o cristão fica privado do verdadeiro oxigênio da vida espiritual. De fato, vale acrescentar que a prestação de contas proporcionada pela membresia da igreja é também fundamental, pois ela não apenas faz o acadêmico cristão se conectar com outras pessoas, mas também o submete a um nível de responsabilidade corporativa diante de todos os santos.
O chamado de um acadêmico cristão é elevado, pois todo aquele encarregado de ensinar a verdade de Deus será, como nos diz a Bíblia, julgado com mais rigor do que os outros. O caminho está cheio de dificuldades e desafios; mas nenhum é intransponível, e as disciplinas básicas da vida cristã são, na verdade, mais — e não menos — importantes e úteis. Você quer ser um acadêmico cristão? Trabalhe duro, ore, leia sua Bíblia e vá para a igreja.
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Recomendação de leitura para aprofundamento:
- Recomendações aos Jovens Teólogos e Pastores, Helmut Thielicke.
- A Vida Intelectual, Antonin-Dalmace Sertillanges.
- Hábitos da mente: A vida intelectual como um chamado cristão, James W. Sire.
- O conhecimento de Deus, J. I. Packer.
- Lições Aos Meus Alunos – Volume 2, C. H. Spurgeon.
- Irmãos, Nós Não Somos Profissionais, John Piper.
- O pastor como mestre e o mestre como pastor, John Piper, D. A. Carson.