Definição
A história da Bíblia começa com Deus habitando com seu povo no Éden e culmina com esse lugar de habitação expandido para encher os céus e a terra.
Resumo
Desde o princípio, no Éden, Deus projetou o templo para a sua glória e comissionou Adão e Eva, seus representantes, para encherem a terra com a sua presença (Gênesis 1:28). Deus estendeu essa comissão aos patriarcas e a Israel, culminando na construção do templo sob o reinado do rei Salomão. No entanto, Deus não pretendia que o templo físico permanecesse em um único lugar determinado, mas que enchesse toda a terra (1 Reis 8:27; Isaías 66:1). Em última análise, Deus habitou entre nós em Cristo, o verdadeiro templo (João 2:21), e Ele habita naqueles que creem em Cristo (1 Coríntios 3:16; 2 Coríntios 6:16–17), cumprindo as profecias sobre o templo dos últimos tempos (por exemplo, 2 Samuel 7:12–14; cf. 2 Coríntios 1:20). O livro de Apocalipse descreve o novo céu e a nova terra como um tabernáculo, o local final da habitação de Deus (Apocalipse 21:1–3, 22). A comissão original que Deus deu a Adão e Eva é finalmente cumprida quando Deus habita intimamente com a humanidade redimida no novo céu e nova terra.
Éden, a Comissão de Adão e a Expansão do Lugar de Habitação de Deus
No jardim do Éden, Deus estabeleceu sua habitação como um templo. Embora os termos “templo” ou “santuário” não sejam usados em Gênesis 1–3, Ezequiel chama o Éden de “jardim de Deus” e “monte santo de Deus”, contendo “santuários” (Ezequiel 28:13-14, 16, 18), assim como o templo posterior de Israel foi descrito como contendo santuários (Levítico 21:23; 1 Reis 6:29; Amós 7:9). Não é de se surpreender que Deus estivesse “andando de um lado para o outro” no Éden (Gn 3:8), assim como Ele faz no templo (Levítico 26:12; Deuteronômio 23:14; 2 Samuel 7:6–7; Ezequiel 28:14). Além disso, um rio fluía do Éden (Gênesis 2:10), assim como um rio flui do templo escatológico (Ezequiel 47:1–12; Apocalipse 22:1–2). Como o templo posterior de Israel, o jardim do Éden possuía uma estrutura sagrada tripartida: as águas do Éden no centro (o santo dos santos), o jardim (o lugar santo), adjacente à fonte de água, e a área externa e desabitada do mundo (o átrio exterior). A árvore da vida do Éden também é representada no templo de Israel pelo candelabro fora do santo dos santos, no lugar santo, com sete ramos, e a entrada do templo fica no lado leste, assim como no Éden (Gênesis 3:24; cf. Êxodo 15:17; Ezequiel 40:2; 43:12).
Dentro do Éden, Adão tem um propósito missional, não apenas de guardar, mas também de expandir os limites do Éden até que ele encha a terra (Gênesis 1:28). Como sacerdote, Adão deve “cultivar e guardar” o Éden (Gênesis 2:15), assim como os sacerdotes deviam “servir” e “guardar” o templo (são usadas palavras idênticas em hebraico em Números 3:7–8; 8:25–26; 18:5–6; 1 Crônicas 23:32; Ezequiel 44:14). Ezequiel até retrata Adão com vestes sacerdotais (Ezequiel 28:13), com joias que correspondem às listadas para o sumo sacerdote (Êxodo 28:17–21). Deus comissiona Adão a guardar este santuário e encher a terra com a sua glória (Gênesis 1:28). Adão e seus descendentes deveriam expandir os limites geográficos do jardim até que o Éden cobrisse e enchesse toda a terra com a presença de Deus. Tragicamente, Adão falha em seu propósito protetor e missionário ao permitir a entrada de uma serpente impura que contamina este templo. Como resultado, Adão perde seu papel sacerdotal e Deus o expulsa do jardim.
A Comissão de Adão e os Patriarcas
A comissão de Adão para ser um rei-sacerdote e expandir os limites do templo-jardim é transmitida a Noé (Gênesis 9:1, 7), Abraão (Gênesis 12:2–3; 17:2, 6, 8; 22:18), Isaque (Gênesis 26:3, 4, 24), Jacó (Gênesis 28:3–4, 14; 35:11–12; 48:3, 15–16) e a Israel (Gênesis 47:27; Deuteronômio 7:13). Os seguintes versículos mostram como a linguagem de Gênesis 1:28 é repetida:
Gênesis 1:28 – “E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra.”
Gênesis 9:1, 7 – “Abençoou Deus a Noé e a seus filhos e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra. (…) ⁷ Mas sede fecundos e multiplicai-vos; povoai a terra e multiplicai-vos nela.”
Gênesis 22:17–18 – “deveras te abençoarei e certamente multiplicarei a tua descendência… a tua descendência possuirá a cidade dos seus inimigos [= ‘subjugar e governar’], nela serão benditas todas as nações da terra, porquanto obedeceste à minha voz.”
Gênesis 28:3–4 – “³ Deus Todo-Poderoso te abençoe, e te faça fecundo, e te multiplique para que venhas a ser uma multidão de povos; e te dê a bênção de Abraão, a ti e à tua descendência contigo, para que possuas a terra de tuas peregrinações, concedida por Deus a Abraão.”
Deus transmite o escopo universal da comissão adâmica a Abraão e seus descendentes, que devem abençoar todas as nações da terra. Curiosamente, essa comissão adâmica é transmitida a Abraão e seus descendentes em pequenos santuários. Assim como Gênesis 1:28 devia ser cumprido em um santuário localizado (Éden), cujos limites seriam ampliados, essa reafirmação da comissão ocorre no contexto da construção de pequenos santuários. Deus aparece aos patriarcas (cf. Gênesis 12:8; 13:3–4), de modo que eles “armam uma tenda” (LXX: “tabernáculo”) sobre um monte e constroem “altares”, provavelmente para sacrifício. Esse lugar é frequentemente chamado de “Betel”, que significa “Casa de Deus”. A combinação desses elementos ocorre em outras partes do Antigo Testamento que descrevem o tabernáculo ou templo de Israel. Esses pequenos santuários refletem como sua descendência deveria se espalhar a partir de um santuário divino para subjugar a terra. Abraão, Isaque e Jacó construíram santuários sagrados que marcam a futura terra prometida de Israel e antecipam o templo de Salomão, onde Deus viria habitar.
Tabernáculo, Templo e o Cosmo
O tabernáculo e o templo de Israel eram mais do que apenas locais de adoração; representavam um reestabelecimento do santuário do Jardim do Éden em um modelo simbólico do cosmo. O tabernáculo e o templo eram representações em miniatura do templo cósmico maior que, em última instância, abrangeria o céu e a terra. Esse simbolismo começou com os patriarcas, cujos altares representavam santuários menores, apontando para um templo posterior e maior. De forma semelhante, os preparativos de Davi para o templo exibem as mesmas características dos altares dos patriarcas. Como assim como com os altares, uma teofania acompanha a origem do templo de Israel sobre um monte (1 Crônicas 21:16; 2 Crônicas 3:1), levando à construção de um altar para ofertas queimadas (1 Crônicas 21:26). Eventualmente, esse lugar é chamado de “casa do SENHOR Deus” (1 Crônicas 22:1).
Assim como os limites do Éden deveriam ser expandidos até encherem toda a terra (Gênesis 1:28), a estrutura do templo de Israel espelhava a estrutura do cosmo. Essa estrutura, com seu significado simbólico, apontava para como a habitação de Deus no templo deveria se expandir até encher todo o universo. O Salmo 78:69 explicita os paralelos entre o templo e o cosmo, pois Deus “construiu o seu santuário durável como os céus e firme como a terra que fundou para sempre” (veja também Êxodo 25:8, 40). De fato, o templo é um modelo de todo o céu e terra. Deus não pretendia que essa réplica contivesse sua presença em um único local; ao contrário, Deus declara: “¹ O céu é o meu trono, e a terra, o estrado dos meus pés; que casa me edificareis vós?” (Isaías 66:1). De fato, o templo foi concebido como um pequeno modelo de algo muito maior; a presença universal de Deus jamais poderia ser contida por qualquer estrutura terrena localizada.
A estrutura tripartida do templo de Israel confirma o propósito expansivo do templo de Deus, uma estrutura que espelha a estrutura tripartida do cosmo. As três seções do templo — o Santo dos Santos, o Lugar Santo e o Átrio exterior — simbolizavam diferentes reinos do cosmo:
- O Santo dos Santos simbolizava os céus invisíveis, onde a presença de Deus se manifestava plenamente e onde os querubins, semelhantes aos que estão ao redor do trono de Deus nos céus, simbolizavam a guarda proteção da presença divina.
- O Lugar Santo simbolizava o céu visível, refletido pela cores variadas das muitas cortinas que lembravam o céu visível (“véu de estofo azul, e púrpura, e carmesim”, Êxodo 26:31), com querubins alados (criaturas aladas) que foram bordados nas cortinas. As lâmpadas nos sete candelabros do templo de Salomão simbolizavam os luminares celestes (sol, lua, estrelas) e a obra criadora de Deus ao formar o cosmo estrelado.
- O Átrio simbolizava a terra e o mar visíveis, associados ao mundo natural e à vida na terra, como indicado pela grande bacia de bronze (referida como o “mar”) e o altar (ligado à terra, já que eram construídos com pedras brutas no tabernáculo).
Essa estrutura tripartida, com seu significado simbólico, apontava para um propósito cósmico maior: o templo como modelo da expansão eventual da presença de Deus para encher todo o universo.
Curiosamente, o próprio Israel é repetidamente chamado de “Jardim do Éden” (cf. Gênesis 13:10; Isaías 51:3; Joel 2:3; Ezequiel 36:35), talvez em parte porque Israel deveria expandir os limites do templo e de sua própria terra até os confins da terra da mesma maneira que Adão deveria ter feito. Essa era a tarefa final de Israel, como é evidente em várias passagens do Antigo Testamento que profetizam que Deus finalmente fará com que o recinto sagrado do templo de Israel se expanda — primeiro para abranger Jerusalém (Isaías 4:4–6; 54:2–3, 11–12; Jeremias 3:16–17; Zacarias 1:16–2:11), depois toda a terra de Israel (Ezequiel 37:25–28), e então toda a terra (Daniel 2:34–35, 44–45; cf. Isaías 54:2–3). Isaías 27:6 profetiza até que, nos últimos dias, Israel finalmente expandirá o santuário-jardim por todo o mundo: Deus fará com que “⁶ Jacó lançará raízes, florescerá e brotará Israel, e encherão de fruto o mundo.”
No entanto, Israel falhou em cumprir essa comissão e não espalhou a luz da presença de Deus pela terra (Isaías 42:6; 49:6). Embora o templo devesse refletir o chamado de Israel como “reino de sacerdotes e nação santa” (Êxodo 19:6), Israel passou a ver erroneamente o templo como um símbolo de seu relacionamento exclusivo com Deus, em vez de um chamado para espalhar a presença de Deus por toda a terra. Como resultado, Israel foi exilado por causa da idolatria e por ter falhado nessa missão. Deus os lançou em um exílio de trevas e caos, refletindo o caos anterior à criação (cf. Isaías 45:18–19). Assim, Deus começa a construir um novo templo que se expandiria para encher a terra como ele pretendia originalmente. Como isso aconteceria?
Cristo e o Templo na Nova Criação
O Novo Testamento apresenta Cristo e seus seguidores como o templo na nova criação, pois Cristo é o templo para o qual todos os templos anteriores apontavam (2 Samuel 7:12–14; Zacarias 6:12–13). Cristo cumpre as profecias do templo, e a igreja, como extensão do corpo de Cristo, também as cumpre. Em Apocalipse, a visão da presença de Deus enchendo a terra se cumpre finalmente no templo cósmico dos novos céus e nova terra.
Cristo como o Cumprimento do Templo:
Os templos do Antigo Testamento apontavam para Cristo, a encarnação da presença de Deus na terra. Jesus assume a função do templo ao oferecer perdão dos pecados durante seu ministério terreno e ao se tornar o sacrifício supremo no verdadeiro templo invisível de Deus, para o qual o sistema sacrificial apontava (Romanos 3:25). Sua morte e ressurreição cumprem o propósito redentivo do templo, pois ele se torna a “pedra angular” (Mc 12:10; Mt 21:42; Lc 20:17) e o verdadeiro “tabernáculo” (João 1:14). A morte e a ressurreição do corpo de Cristo devem ser compreendidas como a destruição e reconstrução do templo (Jo 2:19–22). A ressurreição marca o início de uma nova criação. A presença tabernaculante de Deus começa com Cristo até que essa presença encha todo o cosmos no fim dos tempos.
A Igreja como o Templo:
No Pentecostes, as línguas de fogo representam a presença tabernaculante de Deus com a igreja, como no templo celestial (Atos 2:3; cf. Isaías 30:27–30). Paulo descreve a igreja sendo edificada como habitação de Deus e templo santo, com Cristo Jesus como a pedra angular (Efésios 2:20–22). Cristãos individualmente (1 Coríntios 6:19) e a igreja como um todo (1 Coríntios 3:16; 2 Coríntios 6:16; 1Pe 2:5; Apocalipse 3:12; 11:1–2) são chamados de templos do Deus vivo. De fato, a igreja cumpre profecias do Antigo Testamento sobre o templo (por exemplo, Levítico 26:11–12 e Ezequiel 37:26–27 em 2 Coríntios 6:16), já que todas as promessas de Deus começaram a se cumprir em Cristo (2 Coríntios 1:20; 7:1). Embora a igreja comece a cumprir a expectativa escatológica da expansão universal do templo, ainda há uma expectativa futura de que a glória de Deus encherá completamente o cosmos.
Apocalipse e o Templo Cósmico:
Em Apocalipse 21:1–3, João tem a visão do novo céu e nova terra como um templo cósmico onde a presença de Deus finalmente enche toda a criação. A nova Jerusalém e a nova criação representam o tabernáculo de Deus entre seu povo. O novo céu e nova terra de Apocalipse 21:1 são interpretados e representados como a “nova Jerusalém, que desce do céu” onde “o tabernáculo de Deus com os homens” e “Deus habitará com eles” (Apocalipse 21:2–3). A presença de Deus não está mais confinada ao templo de Israel ou à igreja, mas agora essa presença enche todo o céu e a terra. Isso cumpre o objetivo final do templo no jardim do Éden, pois agora a habitação de Deus enche a terra. Assim, não haverá mais um pequeno templo arquitetônico como o antigo templo de Israel, pois o Senhor e o Cordeiro serão o seu templo, irradiando sua gloriosa presença templária e, assim, transformando toda a nova criação em um grande templo cósmico (Apocalipse 21:22). Dessa forma, as profecias do templo (por exemplo, Ezequiel 37, 40–48; Isaías 54) são cumpridas e completadas.
Conclusão
A morte e ressurreição de Cristo inauguram a nova criação, onde sua presença habita em seu povo e, por fim, encherá todo o cosmos. A igreja, como templo, representa o início do cumprimento das profecias do templo, marcando o aspecto “já e ainda não” da nova criação. O templo agora está corporificado em Cristo e na igreja, e essa presença de Deus está se expandindo por meio da igreja até que, um dia, ela encha completamente os céus e a terra no fim dos tempos.
Leitura de aprofundamento:
- O templo e a missão da igreja: Uma teologia bíblica sobre o lugar da habitação de Deus, G. K. Beale.
- A missão de Deus: Desvendando a grande narrativa da Bíblia, Christopher J. Wright.
- Deus mora entre nós: A expansão do Éden para os confins da Terra, G. K. Beale e Mitchell Kim.
- The Epic of Eden: A Christian Entry into the Old Testament, Sandra Richter.
- The End of the Beginning: Revelation 21–22 and the Old Testament, William J. Dumbrell.