Em maio de 2023, a empresa Neuralink, de Elon Musk, recebeu aprovação da Food and Drug Administration1N.T. A Food and Drug Administration é uma agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. para começar ensaios clínicos em humanos. A Neuralink desenvolve tecnologia de interface cérebro-computador, onde um implante é colocado na superfície do cérebro, facilitando a conexão entre a atividade elétrica cerebral do indivíduo e dispositivos eletrônicos.
A empresa estava utilizando anteriormente animais nos testes, e, alguns anos atrás, eles divulgaram um vídeo curto de um macaco que tinha a tecnologia da Neuralink implantada em seu cérebro, ele movimenta o cursor e os controles de um jogo de videogame utilizando apenas o pensamento para controlá-lo.
Em fevereiro de 1943, C. S. Lewis deu uma série de palestras sobre educação, que foram publicadas com o título A Abolição do Homem. Quando foram proferidas, ao longo de três noites consecutivas há 80 anos, na Universidade de Durham, certamente ele não tinha como imaginar macacos jogando videogames. No entanto, em sua obra anterior Aquela Fortaleza Medonha, ele retratou um mundo onde tais absurdos poderiam ter sido imaginados.
Em uma carta de 1955, para sua amiga americana Mary Willis Shelburne, Lewis lamentou que A Abolição do Homem, embora fosse um de seus livros favoritos, tivesse sido “quase totalmente ignorado pelo público”. Seria prudente não o ignorarmos hoje.
A Abolição do Homem é uma obra poderosa para os nossos dias porque, de muitas maneiras, Lewis previu o futuro. Ele previu a ascensão de tendências que estamos experimentando atualmente: o emotivismo ético, a autoridade às vezes incontestada da ciência e o uso crescente da tecnologia pelos Estados para controlar suas populações.
Veneno Subjetivo
Na primeira palestra, “Homens Sem Peito”, Lewis desconstrói um modelo educacional sutilmente imposto às crianças por meio de um livro didático de artes da linguagem, que ele renomeia para proteger os autores2N.T. Como o tradutor deste artigo não é tão cavalheiro quanto C. S. Lewis, o livro mencionado como O Livro Verde é o The Control of Language, por Alex King e Martin Ketley.. A cosmovisão não declarada por trás de O Livro Verde serve para inocular as mentes jovens contra valores objetivos ao equiparar todos os valores a sentimentos e emoções. Por exemplo, a admiração diante de uma cachoeira é simplesmente um reflexo da atitude da pessoa, não o quão sublime a própria cachoeira é.
Em vez disso, Lewis argumenta que os educadores devem ensinar os alunos a detectar e responder de forma apropriada à realidade objetiva. Os professores devem plantar “sentimentos justos” nas mentes férteis de seus alunos (p. 15). No modelo de Lewis, “a cabeça governa os membros inferiores por meio do peito” (p. 19) — o peito é o mediador entre nossos impulsos animais e nossas mentes e é o mecanismo para treinar e temperar, no sentido metalúrgico, os membros inferiores. Sem o peito, nossos amores desordenados correm soltos.
Na segunda palestra, “O Caminho”, Lewis afirma: “A consequência prática da educação no espírito do Livro Verde deve ser a destruição da sociedade que o aceita” (p. 22). Isso acontece quando as sociedades se desancoram de padrões objetivos, chamados, variadamente, de “lei natural”, “moralidade tradicional” ou, como Lewis rotula, “o Tao” (p. 51).
A Previsão do Transumanismo
A palestra final de Lewis, “A Abolição do Homem”, descreve o que acontece quando suas duas primeiras palestras encontram meios, motivo e oportunidade. Surgirão “Manipuladores” para moldar valores e formar emoções fora do Tao, e eles ” estarão armados com os poderes competentes do Estado e a tecnologia científica. Nós teremos, ao menos, uma raça de manipuladores realmente capazes de moldar toda a posteridade segundo o que lhes aprouver.” (p. 39).
É seguro dizer que os Manipuladores já chegaram através de um movimento chamado transumanismo. Como acredita o autor Yuval Noah Harari, “provavelmente somos uma das últimas gerações de Homo Sapiens, porque nas próximas gerações aprenderemos a engenhar corpos, cérebros e mentes”.
Esse processo já começou, como Lewis previu. Em setembro de 2022, o Presidente Biden assinou uma ordem executiva a fim de promover a biotecnologia. A ordem declara que, para “alcançar nossos objetivos sociais, os Estados Unidos […] [devem] ser capazes de escrever circuitos para células e programar a biologia de forma previsível da mesma maneira que escrevemos software e programamos para computadores”.
Quem toma as decisões sobre o engenhar de corpos, cérebros e mentes, e sobre o escrever circuitos para nossas células? Estes são os Manipuladores.
Mágicos Cegos
Mesmo que seus processos de tomada de decisão sejam descritos como democráticos, os Manipuladores se tornam a autoridade suprema através de suas escolhas. Lewis adverte: “O que chamamos de poder do Homem sobre a Natureza, revela-se como o poder exercido por algumas pessoas sobre outras, tendo a Natureza por seu instrumento” (p. 37).
Há um elemento transacional associado ao fato de se tornar um Manipuladores que exerce esse poder. Lewis refere-se a ele como “a barganha com o mágico”, em que se troca a própria alma por poder (p. 45). Uma vez consumada, o efeito dessa barganha é de “Manipuladores desumanizados” (p. 46). Quando os homens saem do Tao, “eles sequer são humanos” (p. 42).
As consequências da barganha do mágico não param na desumanização dos Manipuladores. Uma vez desumanizados, sua visão é obscurecida pela barganha do mágico e eles são forçados a ver outros, como os não nascidos, os doentes e os idosos, como algo que é menos que humanos.
Lewis aponta que em eras anteriores, a sabedoria e a virtude promoviam a conformidade da alma à realidade na busca para se tornar verdadeiramente humano. Agora, os Manipuladores descartam a humanidade ao submeter “a realidade aos desejos dos homens” (p. 48). Lewis argumenta que a realidade é subjugada ao substituir a conformidade por soluções tecnológicas, que podem incluir o reprogramar dos circuitos de nossas células, a implantação de chips em nossos cérebros ou a administração de bloqueadores de puberdade para adolescentes.
Em uma versão anterior da barganha do mago, o Fausto de Goethe é cegado como condenação pelo dano que ele cometeu em sua busca por poder. A advertência final de Lewis em A Abolição do Homem aponta para um resultado similar.
Na sua arrogância, os Manipuladores assumem que podem “ver através” do Tao e do valor objetivo, enxergando algo mais profundo e significativo. No entanto, Lewis argumenta que a barganha do mágico só leva à cegueira, pois “enxergar através de todas as coisas é o mesmo que não enxergar nada” (p. 50). Assim, o mundo inteiro se torna invisível.
Notas:
- 1N.T. A Food and Drug Administration é uma agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos.
- 2N.T. Como o tradutor deste artigo não é tão cavalheiro quanto C. S. Lewis, o livro mencionado como O Livro Verde é o The Control of Language, por Alex King e Martin Ketley.